7 melhores contos de Júlia Lopes de Almeida
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7 melhores contos de Júlia Lopes de Almeida

Júlia Lopes de Almeida, August Nemo

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7 melhores contos de Júlia Lopes de Almeida

Júlia Lopes de Almeida, August Nemo

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Na coleção Sete Melhores Contos o crítico August Nemo apresenta autores que fazem parte da história da literatura em língua portuguesa. Neste volume temos Júlia Lopes de Almeida, uma escritora, cronista, teatróloga e abolicionista brasileira. Foi uma das idealizadoras da Academia Brasileira de Letras, mas na primeira reunião da ABL, seu nome foi excluído. Os fundadores optaram por manter a Academia exclusivamente masculina, da mesma forma que a Academia Francesa, que lhes servia de modelo. No lugar de Júlia Lopes entrou justamente o seu marido, Filinto de Almeida, que chegou a ser chamado de "acadêmico consorte".Os contos presentes nessa obra são: As Rosas.Os Porcos.Ânsia Eterna.O Caso de Ruth.A Caolha.O Futuro Presidente.A Nevrose da Cor.Conteúdo Bônus: A Mulher Brasileira, crônica de Júlia Lopes de Almeida.

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Information

Publisher
Tacet Books
Year
2020
ISBN
9783969695760

O Caso de Ruth

Pode abraçar sua noiva! Disse com bambaleaduras na papeira flácida a palavrosa baronesa Montenegro ao Eduardo Jordão, apontando a neta, que se destacava na penumbra da sala como um lírio alvíssimo irrompido dentre os florões grosseiros da alcatifa.
Ele não se atreveu, e a moça conservou-se impassível.
– Não se admire daquela frieza: Olhe, eu sei que Ruth o ama, não porque ela o dissesse – esta menina é de um recato e de um melindre de envergonhar a própria sensitiva – mas porque toda ela se altera quando ouve o seu nome. O corpo treme-lhe, a voz muda de timbre e os olhos brilham como se tivessem fogo lá por dentro. Outro dia, porque uma prima mais velha, senhora de muito respeito, ousasse pôr em dúvida o seu bom caráter, a minha Ruth fez-se de mil cores e tais coisas lhe disse que nem sei como a outra a aturou!
Toda a gente percebe que ela o ama; mas é uma obstinada e lá guarda consigo o seu segredo... Agora, que o senhor vem pedi-la, é que eu lhe declaro que estava morta por que chegasse este momento. Apreciei-o sempre com um coração e um espírito de bom quilate.
– Oh! Minha senhora...
– Não lhe faço favor. Além disso, Ruth está com vinte e três anos; parece-me ser já tempo de se casar. Há de ser uma excelente esposa: é bondosa, regularmente instruída, nada temos poupado com a sua educação; e se não aparece e não brilha muito na sociedade é pelo seu excesso de pudor. Eu às vezes cismo que esta minha neta é pura demais para viver na terra. Todas as pessoas de casa têm medo de lhe ferir os ouvidos e escolhem as palavras quando falam com ela.
Não admira: a mãe teve só esta filha e foi rigorosíssima na escolha das mestras e das amigas; o padrasto tratava-a também com muita severidade, embora fosse carinhoso. Um santo homem! Desde que ele morreu que nos falta a alegria em casa...A mulher, coitada, como sabe, ficou paralítica; e esta pequena mesmo tornou-se melancólica e sombria. Às vezes penso que ela fez voto de castidade, tal é o seu recato; desengano-me lembrando-me de quanto é moderada na religião e de que o seu bom senso se revela em tudo! O que tenho a dizer-lhe, portanto, é isto: afirmo-lhe que Ruth o adora e que não há alma mais cândida, nem espírito mais virginal que o seu. Aí a deixo por alguns minutos; se é o respeito por mim que lhe tolhe as palavras, concedo-lhe plena liberdade.
Eduardo fixou na noiva um olhar apaixonado. Na sua brancura de pétala de camélia não tocada, Ruth continuava em pé, no mesmo canto sombrio da sala. Os seus grandes olhos negros chispavam febre e ela amarrotava com as mãos, lentamente, em movimentos apertados, o laço branco do vestido.
A baronesa acrescentou, ainda, carregando nas qualidades da neta e fazendo ranger a cadeira de onde se erguia:
– Ruth nunca foi de lástimas e, apesar de mimosa e de aparentemente frágil, tem boa saúde. Um bom corpo ao serviço de uma excelente alma. Dirão: “Estas palavras ficam mal na tua boca!..” Pouco importa; são a verdade. Tenho outras netas, filhas de outras filhas; tenho criado muitas meninas, minhas e alheias, mas em nenhuma encontrei nunca tanta doçura, tanta altivez digna e tanta pudicícia. Aí lha deixo; confesse-a!
A velha saiu.
Todos os rumores da rua rolaram confusamente pela sala. A porta que se abriu e fechou trouxe, numa raja de luz, os repiques dos sinos, o rodar dos veículos, o sussurro abominável da cidade atarefada; mas também tudo se extinguiu depressa. A porta fechou-se, as janelas voltadas para o jardim mal deixavam entrar a claridade, coada por espessas cortinas corridas, e os noivos ficaram sós, silenciosos, contemplando-se de face.
O finado barão fora um colecionador afincado de móveis e de outros objetos dos tempos coloniais. Súdito de D. João VI, de que a sua adorável memória acusava ainda todos os traços já aos noventa anos, era sempre o seu assunto predileto a narração dos sucessos históricos presenciados por ele. A proporção que se ia afastando dos seus dias de moço, mais aferrado se fazia aos gostos e às modas do seu tempo.
Só se servia em baixela assinada com os emblemas da casa bragantina e a propósito de qualquer coisa dizia, fincando o queixo agudo entre o indicador em curva e o polegar: – “Lembro-me de uma vez em que a D. Carlota Joaquina”... Ou então: – “Em que D. João VI, ou D. Pedro I”, etc. E em seguida lá vinha a descrição de um Te-Deum, ou de uma procissão, a que a sua imaginação facultosa emprestava as mais brilhantes pompas. A família tinha um sorriso condescendente para aquele apego, já sem curiosidade, a força de ouvir repetir os mesmos fatos. Os amigos evitavam tocar, de leve que fosse, em assuntos políticos, receosos da lonjura do capítulo que o barão a propósito lhes despejasse em cima; mas só ele, o bom, o fiel, nada percebia, e, com os olhos no passado, toca a citar ditos e atitudes dos imperadores e a curvar-se numa idolatria pelo espírito boníssimo da última imperatriz.
Alguma coisa disso se refletia em casa: tudo ali era sóbrio, monótono e saudoso.
Cadeiras pesadas, de moldes coloniais, largas de assento, pregueadas no couro lavrado de coroas e brasões fidalgos, uniam as costas às paredes, de onde um ou outro quadro sacro pendia desguarnecido e tristonho.
Assim o quisera ele, que até mesmo na hora suprema rejeitara um belo crucifixo que lhe oferecia o padre, voltando os olhos suplicantes para um outro crucifixo mais tosco, erguido sobre a cômoda, e que pertencera a D. Pedro I.
Para ele, naquela cruz não estava só o Cristo; estava, de envolta com o respeito pelos monarcas extintos, a lembrança dos seus folguedos de moço. Talvez mesmo, num volteio súbito da memória, se lembrasse das festas religiosas em que namorara, à sombra dos conventos, a sua primeira mulher, e beliscara com freimas amorosas os braços gordos de Janoca, a mulatinha mais faceira de então... Quem sabe? Talvez que na hora da morte não se possa só a gente lembrar das coisas sérias.
Qualquer hora vivida pode ser recordada rapidamente, sem tempo de escolha.
Como a Janoca não pertencera a história, a família ignorou-a; e pelo ar gélido daquela galeria de espectros palacianos não apareceu nem um requebro quente de mulatinha risonha, que lhes desmanchasse a compostura.
Depois de viúva, a segunda baronesa reformara algumas coisas e confundira os estilos, pondo no mesmo canto um contador Luiz XV, um móvel da Renascença e uns tapetes modernos, entre largos reposteiros de seda cor de marfim.
Aquela extravagância não conseguira quebrar a severidade do todo. Tinha uma fisionomia casta e grave aquela sala.
As virgens dos quadros, de longo pescoço arqueado e rosto pequenino, gozavam ali o doce sossego de uma meia tinta religiosa.
Mas lá dentro, os dias passavam-se entre o tropel da criançada, os sons do piano de Ruth e a confusão dos criados.
E era por isso, que todos fugiam lá para dentro e que só Ruth, nas suas horas de inexplicável tristeza, se encerrava ali, em companhia da Madona da Cadeira e da Virgem de S. Sixto.
Era nessa mesma sala que ela estava ainda, muda e pálida, em frente do seu amado.
– Ruth... balbuciou Eduardo.
Mas a moça interrompeu-o com um gesto e disse-lhe logo, com voz segura e firme:
– Minha avó mentiu-lhe.
O noivo recuou, num movimento de surpresa; foi ela quem se aproximou dele, com esforço arrogante e doloroso, deslumbrando-o com o fulgor dos seus olhos belíssimos, bafejando-lhe as faces com o seu hálito ardente.
– Eu não sou pura! Amo-o muito para o enganar. Eu não sou pura!
Eduardo, lívido, com latejos nas fontes e palpitações desordenadas no coração, amparou-se a uma antiga poltrona, velha relíquia de D. Pedro I, e olhou espantado para a noiva, como se olhasse para uma louca. Ela, firme na sua resolução, muito chegada a ele, e à meia voz, para que a não ouvissem lá dentro, ia dizendo tudo:
– Foi há oito anos, aqui, nesta mesma sala... Meu padrasto era um homem bonito, forte; eu uma criança inocente... Dominava-me; a sua vontade era logo a minha. Ninguém sabe! Oh! Não fale! Não fale, pelo amor de Deus! Escute, escute só; é segredo para toda a gente... No fim de quatro meses de uma vida de luxúria infernal, ele morreu, e foi ainda aqui, nesta sala, entre as duas janelas, que eu o vi morto, estendido na eça[3]. Que libertação, que alegria que foi aquela morte para a minha alma de menina ultrajada! Ele estava no mesmo lugar em que me dera os seus primeiros beijos e os seus infames abraços; ali! ali! Oh, o danado! Mais do que nunca lhe quero mal agora! Não fale, Eduardo! Minha avó morreria, sofre do coração; e minha mãe ficou paralítica com o desgosto da viuvez... Desgosto por aquele cão! E ela ainda me mandava rezar por sua alma, a mim, que a quero no inferno! Às vezes tenho ímpetos de lhe dizer: “Limpa essas lágrimas; teu marido desonrou tua filha, foi seu amante durante quatro meses...” Calo-me piedosamente; e acodem todos: que não chorei a morte daquele segundo pai e bom amigo!
– É isto a minha vida. Cedi sem amor, pela violência; mas ...

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