QUEDA DE DILMA, A
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QUEDA DE DILMA, A

RICARDO WESTIN

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QUEDA DE DILMA, A

RICARDO WESTIN

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Conheça, em A queda de Dilma, o preço que Dilma Rousseff pagou por não dar ouvidos aos ensinamentos de Nicolau MaquiavelDa vitória ao ocaso, a queda foi fulminante. Dilma Rousseff perdeu o trono sem conseguir chegar nem à metade do segundo mandato. A petista foi um ponto fora da curva. O momento em que os mandatários ostentam mais capital político é justamente o início do governo, quando sobra respaldo popular. No exato dia em que se reelegeu, em 2014, ela entrou no inferno astral e de lá não saiu. Uma parte do fracasso do governo Dilma 2 é explicada pela mistura explosiva de crise política, economia em recessão e ira popular, tudo isso inflamado por revelações diárias a respeito do maior esquema de desvio de dinheiro público já descoberto na história nacional, desbaratado pela Operação Lava Jato. Outra parte do desmoronamento do governo Dilma 2 deve ser creditada à investida dos inimigos, que encontraram nesse ambiente conturbado um solo fértil para plantar o pedido de impeachment, aproválo e tomar o poder. Eles acusaram a presidente de atentar contra os cofres públicos, gastando mais dinheiro do que podia, o que a lei do impeachment listava entre os crimes de responsabilidade imputáveis ao presidente da República. Esses dois fatores, no entanto, não contam a história completa. Não foi por mero capricho do destino que a crise nacional e o pedido de impeachment ganharam corpo e se encontraram. As duas dinamites que implodiram o governo foram plantadas pela própria Dilma – involuntariamente, claro. Ao longo dos breves 22 meses entre a reeleição e o impeachment, ela revelou a mais absoluta inaptidão para o mundo da política. A presidente Dilma Rousseff foi desastrosa lidando com a sociedade, montando a equipe de governo, enfrentando a oposição, negociando com os aliados no Congresso Nacional, conduzindo a economia etc. A falta de capacidade da presidente foi ficando dia a dia mais gritante. Fosse um líder um pouco mais hábil do que ela posto diante das mesmas adversidades, é muito provável que o desfecho não tivesse sido tão trágico. Mas o destino de Dilma poderia ter sido menos duro se ela simplesmente tivesse folheado um livro antigo que já passou pelas mãos dos líderes políticos mais influentes do mundo no decorrer dos últimos 500 anos. Tratase de O Príncipe, o manual do poder escrito em 1513 pelo brilhante pensador político Nicolau Maquiavel. Neste livro, escrito pelo jornalista Ricardo Westin, toda a derrocada de Dilma Rousseff é narrada e esmiuçada e, ao mesmo tempo, comparada com os mandamentos contidos em O Príncipe. O livro não toma partido na questão do impeachment, mas mostra que a própria Dilma foi a grande responsável por sua queda. O leitor comprovará que ela descumpriu todos os conselhos de governo recomendados por Maquiavel, o que ajuda a explicar a derrota e a comprovar que o velho código de conduta maquiavélico permanece assustadoramente atual.

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MANDAMENTO 1

Não cumpras as tuas promessas

Ao entrar na disputa eleitoral de 2014, a presidente Rousseff, do PT, encontrou no ringue dez candidatos dispostos a tomar seu lugar no Palácio do Planalto. Apesar da profusão de postulantes, apenas Aécio Neves, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), e Marina Silva, do Partido Socialista Brasileiro (PSB), se apresentaram como os únicos verdadeiramente capazes de ameaçar os planos de reeleição da presidente. Os oito políticos restantes ficaram relegados ao posto de nanicos. Dilma dirigiu toda a sua munição apenas aos dois adversários perigosos, para roubar-lhes votos. Os termos “roubar”, que se refere a crime, e “munição”, a guerra, não chegam a ser um exagero. Da parte da postulante petista, o que houve foi uma campanha rasteira, de baixo nível, quase suja. Dilma atribuiu aos oponentes palavras que jamais pronunciaram e planos que talvez nunca cogitaram.
Aécio Neves foi massacrado. Dilma afirmou que o adversário, sendo eleito, transformaria o Brasil em terra arrasada. “Eu não vou combater a inflação com os métodos do senhor, que são desempregar, arrochar o salário e não investir”, acusou. Em outro momento, a candidata se contradisse e afirmou que, em vez de combater, Aécio alimentaria a inflação: “Vocês do PSDB sempre gostaram de plantar inflação para colher juros”. As advertências de Dilma se basearam nas dificuldades que o Brasil enfrentara duas décadas antes, nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002), e davam a entender que elas automaticamente se repetiriam pelo mero fato de Aécio pertencer ao mesmo partido de FHC. Apesar de o PSDB ter uma visão de governo diversa da do PT, é óbvio que não estava entre os planos do candidato tucano assumir a Presidência da República para criar uma legião de desempregados ou encolher o salário dos trabalhadores. As acusações deixaram Aécio exasperado. “A senhora, infelizmente, tem permitido ao Brasil ver a mais baixa campanha de sua história democrática”, ele reagiu, num debate transmitido pela TV.
Uma das promessas de Marina Silva foi conceder autonomia plena ao Banco Central. Com a instituição livre das interferências políticas do Palácio do Planalto, os rumos da economia passariam a ser ditados integralmente pelo mercado. Não era nenhuma novidade, pois essa questão vinha sendo debatida exaustivamente dentro e fora do governo por anos a fio. Aproveitando-se do fato de o papel do Banco Central ser um assunto árido demais para o brasileiro médio compreender, Dilma distorceu a promessa de Marina. Na propaganda eleitoral de TV, a campanha petista mostrou uma cena simulada de banqueiros confabulando contra a população. O locutor aterrorizava ao descrever o que aconteceria se o Banco Central se tornasse autônomo: “Isso significaria entregar aos banqueiros um grande poder de decisão sobre a sua vida e a de sua família: os juros que você paga, seu emprego, os preços e até os salários. Ou seja, os bancos assumem um poder que é do presidente e do Congresso, eleitos pelo povo. Você quer dar a eles esse poder?”. A encenação se encerrava com um dramalhão: uma família sentada à mesa de jantar via a comida sumir dos pratos por obra dos banqueiros de Marina.
Dilma Rousseff disparou esse mesmo tiro mais de uma vez. Quando Marina se defendeu explicando que a sua proposta para o Banco Central não era nada daquilo, a presidente rebateu: “Eu não tenho banqueiro me apoiando. Eu não tenho banqueiro me sustentando”. Foi uma referência nada sutil a uma das coordenadoras da campanha de Marina: Neca Setubal, herdeira do Itaú e irmã do presidente do banco, Roberto Setubal. Para Dilma, não havia como negar: Neca também era banqueira – uma capitalista capaz de tudo para abocanhar o dinheiro dos correntistas, na versão disseminada pelo PT. Foi outro golpe desleal da campanha petista. Apesar da vinculação com o banco, Neca jamais participara diretamente dos negócios do Itaú. Ela se dedicava a projetos sociais. Dilma se agarrou ao poderoso sobrenome de Neca e conseguiu colar em Marina o rótulo de candidata oficial dos banqueiros.
Na violenta investida, Dilma Rousseff advertiu os eleitores que o partido de Marina Silva contava com apenas 33 deputados na Câmara, muito aquém do mínimo de 129 votos para a aprovação de um simples projeto de lei. “Como é que você acha que ela vai conseguir esse apoio sem fazer acordos? E será que ela quer? Será que ela tem jeito para negociar?”, perguntou o locutor na propaganda petista na TV. “Duas vezes na nossa história, o Brasil elegeu salvadores da pátria, chefes de partido do eu sozinho, e a gente sabe como isso acabou”, ele continuou, enquanto surgiam na tela Jânio Quadros, que renunciou em 1961, e Fernando Collor, que sofreu impeachment em 1992. Dilma tentou convencer os eleitores de que quem seria abatido pelo impeachment e não concluiria o mandato presidencial era Marina.
A campanha de Dilma Rousseff não se fez só de ataques. A presidente, claro, também ofereceu muitas promessas eleitorais, embora pecassem pela obviedade e pelo superficialismo. Orientada pelo célebre marqueteiro João Santana, que havia conduzido as campanhas presidenciais vitoriosas do PT em 2006 e 2010, ela desfiou medidas populistas e de fácil assimilação pelo eleitor. De acordo com a presidente, o governo só continuaria generosamente custeando os programas assistenciais criados pelas gestões do PT – como o Bolsa Família, o Mais Médicos e o Minha Casa Minha Vida – se ela permanecesse no poder. “Medidas impopulares podem significar cortes na educação, na saúde e em programas sociais, exatamente o contrário do que o Brasil precisa”, disse. Na área social, Dilma deu ênfase ao ensino público. “A educação é e será cada vez mais a nossa prioridade”, prometeu. Com todas essas juras, a presidente disse exatamente aquilo que os brasileiros gostariam de ouvir, em especial a imensa classe mais pobre.
Saiu tudo dentro dos conformes. Ao detonar os adversários e oferecer promessas eleitorais aparentemente fáceis de ser cumpridas, Dilma Rousseff conseguiu se reeleger presidente da República. Em 5 de outubro de 2014, ela recebeu 41,6% dos votos válidos, ficando à frente de Aécio (33,5%) e Marina (21,3%). A eleição precisou ser levada para a prorrogação. No segundo turno, em 26 de outubro, ela se sagrou vencedora, com 51,6% dos votos, enterrando os sonhos presidenciais de Aécio (48,4%). Dilma ganhava o direito de continuar dando as cartas no Brasil por outros quatro anos. À primeira vista, não havia como errar. Bastaria continuar tocando o barco pelas mesmas águas dos quatro anos anteriores. Era tão somente isso o que esperava o eleitorado que a reelegeu. O barco, entretanto, tomou um rumo bem diferente. Para espanto e desespero do país, a Dilma reeleita fez exatamente o inverso daquilo que a Dilma candidata havia prometido. Foi como se o país sofresse uma repentina e violenta guinada de 180 graus.
“Vocês do PSDB sempre gostaram de plantar inflação para colher juros.” A crítica que Dilma direcionara a Aécio teria sido perfeita se os papéis estivessem invertidos, sendo a provocação pronunciada pelo candidato tucano contra a presidente. As mãos de Dilma, uma vez reeleita, deixaram cair as rédeas da inflação, que desembestou morro acima. O país, já desacostumado com preços subindo a taxas anuais de dois dígitos, ficou chocado ao constatar que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechou 2015, o primeiro ano do governo Dilma 2, em 10,7%. Nos anos anteriores, a inflação havia ficado na confortável casa dos 6%. De repente, tudo ficou muito mais caro. Dos tantos indicadores de inflação que existem, o IPCA é um dos mais fidedignos, pois considera os preços que o cidadão comum paga na alimentação, no transporte, na saúde e na educação. Não se via um IPCA tão alto desde 2002. Quanto aos juros, a taxa básica fixada pelo Banco Central sofreu um aumento apenas três dias depois da reeleição. Foi o primeiro sinal público de que, na verdade, Dilma não vinha sendo tão zelosa assim com as finanças do governo. Durante o período eleitoral, os juros oficiais haviam ficado estacionados em 11% anuais. No primeiro aumento, em outubro de 2014, passaram para 11,25%. Continuaram em direção ao alto, chegando a 14,25% em outubro de 2015. O aumento dos juros fixados pelo Banco Central é usado pelo governo como instrumento de controle da inflação. Mas há efeitos colaterais. O reajuste é prejudicial tanto para o próprio governo, pois deixa a dívida pública mais cara, quanto para a população, porque puxa para cima os juros cobrados pelos bancos e pelo comércio, o que a força a consumir menos.
“Eu não vou combater a inflação com os métodos do senhor, que são desempregar, arrochar o salário e não investir.” Também essas palavras de Dilma Rousseff ficariam mais apropriadas na boca de Aécio Neves. A presidente fez rolar uma bola de neve cruel. Com a inflação nas alturas, as pessoas passaram a comprar menos e deixaram em apuros a indústria, o comércio e os serviços. Aos empresários restou baixar salários, demitir funcionários ou simplesmente fechar as portas. A economia saltou no precipício da recessão. Entre maio de 2014, no governo Dilma 1, e maio de 2016, no governo Dilma 2, o número de brasileiros na fila do emprego saltou de 6,8 milhões (índice de 7%) para 11,4 milhões (11,2%). O salário médio dos que conseguiram permanecer empregados encolheu de R$ 2 067 para R$ 2 004 no mesmo período. Incluída a inflação galopante nessa equação, foi um baque e tanto no poder de compra da população.
Como se não bastasse, as contas do governo foram parar no vermelho. Dada a atrofia da atividade econômica, por tabela minguaram os impostos que sustentavam o funcionamento do governo e os programas públicos. A arrecadação despencou também em razão da queda do preço internacional das principais matérias-primas de exportação do Brasil, como o minério de ferro, o petróleo e a soja. A riqueza gerada pelo intenso comércio desses produtos in natura havia sido decisiva para a bonança nacional iniciada nos governos Lula e em alguma medida sustentada no governo Dilma 1. Em 2015, a receita federal somou R$ 1,27 trilhão – R$ 100 bilhões menor do que a arrecadação de 2013. Com os cofres federais vazios, a presidente viu-se obrigada a caçar despesas que pudessem ser eliminadas ou pelo menos reduzidas. Ao contrário do que ela havia prometido, diversas políticas de amparo social foram levadas para a guilhotina. Tome-se como exemplo a área da educação, apregoada durante a campanha eleitoral como a prioridade das prioridades e reafirmada como tal no dia inaugural do governo Dilma 2, quando a presidente lançou o slogan “Brasil, pátria educadora”. O mundo educacional foi bombardeado por notícias calamitosas em 2015, todas decorrentes da falta de dinheiro. A promessa de se abrirem 12 milhões de vagas nos cursos profissionalizantes do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) ficou no papel. A presidente enxugou a meta para 5 milhões de vagas abertas ao longo do governo Dilma 2. O Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) também não escapou. O Ministério da Educação, com exigências mais rígidas, praticamente fechou a porta para os novos universitários que pretendiam participar do programa, que concedia empréstimos subsidiados para o pagamento das mensalidades em faculdades privadas. Até então, os estudantes tinham muito mais facilidades para obter o financiamento. O programa Ciência sem Fronteiras também foi congelado. O governo parou de mandar universitários e pós-graduandos para temporadas de estudos no exterior. O programa apenas continuou custeando bolsistas que já estavam estudando fora do país. Além de tudo isso, os professores das universidades federais entraram em greve por melhores salários. Os alunos ficaram cinco meses sem aula.
“Eu não tenho banqueiro me apoiando. Eu não tenho banqueiro me sustentando.” A alegada alergia de Dilma Rousseff aos bancos, demonstrada nas caneladas dadas em Marina Silva, de imediato se revelou farsesca. Para o governo Dilma 2, a presidente decidiu convidar justamente um banqueiro para conduzir o Ministério da Fazenda, o braço do governo que tem o maior peso na condução da economia do país. A ala mais esquerdista do PT, alicerçada nos sindicatos, no movimento estudantil, nos sem-terra e nos sem-teto, ficou encolerizada. Para esse grupo, a escolha de um neoliberal convicto, mais afinado com a ideologia do PSDB do que com a do PT, sinalizava que a política econômica passaria a se preocupar mais com o mercado e menos com o bem-estar social. Inicialmente, o escolhido foi Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco, o segundo maior banco privado do Brasil. Ele, entretanto, recusou a missão. Dilma, então, redirecionou o convite para outro chefão do mesmo Bradesco, Joaquim Levy, que ocupava o posto de diretor-superintendente. Levy topou tornar-se ministro da Fazenda. A surpreendente escalação se explicava. Como já indicava a subida da taxa básica de juros, as contas públicas realmente estavam em frangalhos. Dilma havia arrecadado de menos e gastado demais. Diante do resultado dessa equação, não havia nada mais sensato do que pedir socorro a um neoliberal para conduzir o saneamento das finanças do governo e colocar o trem de novo nos trilhos. Levy, além disso, havia sido secretário do Tesouro Nacional no governo Lula e ocupado cargos importantes nos ministérios da Fazenda e do Planejamento no governo Fernando Henrique Cardoso.
Diante de uma presidente reeleita tão diferente da candidata, o oposição saiu a público acusando Dilma Rousseff de cometer estelionato eleitoral. Estelionatário, de acordo com o artigo 171 do Código Penal, é o criminoso que induz uma pessoa ao erro com o propósito de obter alguma vantagem ilícita em cima dela. Trata-se de uma metáfora, pois a legislação criminal não contempla um delito chamado estelionato eleitoral. Dilma, segundo a oposição, abusou da boa-fé dos brasileiros e mentiu para não perder a cadeira presidencial. Segundo Nicolau Maquiavel, não há nada de errado nisso.
Todos compreendem como é louvável que o príncipe mantenha a palavra dada e viva com integridade. No entanto, o príncipe prudente não pode nem deve cumprir a palavra quando esse cumprimento prejudicá-lo ou quando desaparecerem os motivos que o fizeram prometer. Se os homens fossem todos bons, esse preceito seria mau. Porém, como os homens são maus e não observariam esse preceito em relação a ti, tu não deves obser-vá-lo em relação a eles. Jamais faltaram motivos legítimos ao príncipe para dissimular a inobservância da promessa.
(O Príncipe, cap. 18)
De acordo com Maquiavel, o governante que deseja ganhar respeito precisa, sim, honrar seus compromissos públicos, mas isso não pode se transformar numa regra absoluta. Ele precisará abandonar as promessas toda vez que o cumprimento delas tiver potencial para enfraquecê-lo e derrubá-lo do trono. A presidente sabia logo de saída que seria obrigada a lançar mão de inúmeras medidas impopulares no governo Dilma 2, mas maquiavelicamente concluiu que, para ter sucesso eleitoral, não poderia revelá-las durante a campanha. Se Dilma tivesse sido sincera, uma parcela considerável dos eleitores jamais teria lhe confiado o voto. Quem em sã consciência deseja que a inflação saia do controle, o desemprego vá às alturas e o país afunde numa recessão? Seria um tiro no pé.
Em O Príncipe, Nicolau Maquiavel ensina que, para vencer, o governante precisa ser “um grande simulador e dissimulador”. Ele explica: “Os homens são tão ingênuos e obedecem tanto às necessidades presentes, que aquele que engana encontrará sempre quem se deixe enganar”. Dilma Rousseff lançou mão da estratégia maquiavélica de ter duas caras. Não tivesse simulado e dissimulado durante a campanha eleitoral, não teria conseguido se reeleger. A vitória, afinal, não foi de lavada. Longe disso, foi bastante apertada. No segundo turno, a presidente venceu por uma margem de apenas 3,5 milhões de votos. Se todos os 5,2 milhões de eleitores que anularam o voto tivessem optado por Aécio, teria sido ele o eleito. Dilma atingiu a menor porcentagem entre todos os presidentes eleitos pelo voto direto desde os anos 1980. Os 51,6% que obteve em 2014 ficaram abaixo dos índices dela própria em 2010 (56%), de Luiz Inácio Lula da Silva em 2006 e 2002 (acima de 60% nos dois anos), de Fernando Henrique Cardoso em 1998 e 1994 (superiores a 53%) e de Fernando Collor em 1989 (53%). Dilma fez um jogo sujo na disputa eleitoral? Sim, fez. Mas, para Maquiavel, o jogo sujo em certas situações não é apenas compreensível – é obrigatório. Afinal de contas, o que importa é o poder. Com o passar do tempo, no entanto, as coisas acabariam dando errado. E não por culpa de Maquiavel. O problema foi que a dose de simulação e dissimulação foi absurdamente alta e o que era para ser remédio acabou se transformando em veneno. A presidente não descumpriu somente uma ou duas promessas eleitorais. Descumpriu todas. E não apenas deixou de cumprir a sua palavra. Cumpriu-a exatamente às avessas. Foi uma rasteira violenta demais para a população engolir. No primeiro momento, o mandamento maquiavélico surtiu efeito, pois a presidente salvou o trono, mas o exagero a longo prazo anularia todos os efeitos positivos e conduziria Dilma à ruína. Conselho maquiavélico obedecido pela metade, na verdade, é o mesmo que conselho não obedecido. Por ironia, a assustadora advertência que ela fizera sobre o risco de Marina Silva sofrer impeachment acabaria se voltando contra si própria.

MANDAMENTO 2

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Foi quilométrico o rosário de promessas eleitorais que a presidente Dilma Rousseff desfiou tendo consciência de que eram inexequíveis. Em cima do palanque, ela prometeu que os preços da energia elétrica e da gasolina, que são controlados pelo governo, não sofreriam uma disparada caso os brasileiros decidissem mantê-la no Palácio do Planalto. “Um compromisso que eu assumo com vocês: não vai haver tarifaço”, afirmou. A presidente candidata também mencionou os direitos trabalhistas, que, segundo ela, eram sagrados: “Eu não mudo direitos na legislação trabalhista: lei de férias, décimo-terceiro salário, fundo de garantia, hora extra”. E logo em seguida acentuou o compromisso eleitoral com uma arcaica metáfora bovina: “Eu não mudo a legislação trabalhista nem que a vaca tussa”.
E não é que a vaca tossiu? Dilma Rousseff, a mesma que na luta pela reeleição tanto repudiara o “tarifaço”, pouquíssimo tempo depois da vitória eleitoral autorizou uma disparada dos preços da gasolina e da energia elétrica. No Distrito Federal, por exemplo, o preço médio do litro do combustível nas bombas havia se mantido estável na casa dos R$ 3 durante boa parte do ano eleitoral de 2014. Passado o segundo turno, a gasolina começou a encarecer em todo o país e não parou mais. No início de 2016, no Distrito Federal já se pagavam R$ 4 por litro. No governo Dilma 2, a presidente permitiu que as empresas de eletricidade aplicassem reajustes extraordinários a suas tarifas. Só nos três primeiros meses de 2015, o aumento médio chegou a 36%. Para completar, o governo ainda veio logo em janeiro com a novidade das bandeiras tarifárias. Quando as condições de geração de eletricidade ficassem desfavoráveis – por causa da falta ...

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